"My formats are square, but the grids are never absolutely square; they are rectangles, a little bit off the square, making a sort of contradiction, a dissonance, though I didn't set out to do it that way. When I cover the square surface with rectangles, it lightens the weight of the square, destroys its power."

Agnes Martin

SQUARE DISORDER

É eminentemente inequívoca a urgência com que as práticas artísticas recentes têm vindo a hostilizar as estruturas expositivas e museológicas a partir de um posicionamento interno a essa construção ideológica. Este predicamento, não sendo novo nem inocente, predispõe-se nos tempos que correm a certas inflexões que pronunciam uma ambivalência relativa à postura crítica que as obras assumem dentro dos espaços em questão ou no âmago das posições criativas dos seus autores.

Na presente peça (Square Disorder, 2008), Susana Mendes Silva enuncia esta postura em forma de continuidade com algumas das suas anteriores peças, desenvolvendo internamente a um modelo assimilado, e por isso mesmo destabilizador, o potencial analítico que capacita a instalação para deslizar a várias tipologias, neste caso indivisíveis (desde o desenho à escultura e performance).
Ao entrar no espaço o observador depara-se em primeira instância com uma sala vazia para num segundo momento, já dentro do espaço aparentemente desabitado, ser acariciado por uma matéria até aí invisível e que detecta nessa circunstância serem fios ou finos cabelos que escorrem na vertical para o chão. Estes filamentos flúem a partir de uma grelha construída também a partir de cabelos e que coroa as paredes da galeria a cerca de dois metros de altura.

Esta grelha poderia noutro contexto ser sancionada como teia, as metáforas do cabelo produzem vínculos a campos retóricos aos quais Susana escapa de forma assaz, estes cabelos não são cabelos mas sim uma imitação postiça que corresponde ao arquétipo de cabelo.

Ao utilizar um material tão sobrecarregado ideologicamente na sua disposição contrafeita a artista parece realçar o carácter adulterino dos contactos e das negociações que se produzem dentro das quatro paredes do cubo branco como que para sustentar essa dupla falência; a condição orgânica do material é posta de parte e consequentemente liberta-se do constrangimento das traduções habituais desta matéria, não existe a mínima indispensabilidade em invocar as suas filiações abjectas ou escatológicas, e isto se tivermos em conta apenas as histórias da arte mais recente, para poder desta forma lançar uma proposição: a grelha como emulação e dilatação da estrutura ideológica da concepção modernista de espaço expositivo.

Susana amplifica o antagonismo interno entre a estrutura ideológica do cubo branco e a suposta organicidade dos filamentos capilares que são cabelos falsos - antagonismo ideológico entre a ordem e regra e a condição abjecta e sacra do cabelo e suas metáforas, que se opõem à concepção de grelhas cuja natureza estruturante as afasta de organizações mecânicas ou rígidas em sentido puro.
A artista estimula portanto uma mitigação da suposta oposição entre a leveza e neutralidade do espaço branco e a condição infame de um material que parece ser desqualificado ao passar do estado orgânico ao estado duplamente geométrico e ordenado quer por ser um duplo artificial quer pelo tratamento formal que lhe é dado.

Nesta operação podem encontrar-se reverberações de gestos performativos e teatrais que têm questionado a reputação do cubo branco nas últimas décadas e parece permissível a aproximação desta peça à instalação de Melanie Counsell para a Matt's Gallery de 1995 ou a "Coats of Asbestos Spangled with Mica", 2002 de Liam Gillick.
Estas intervenções extraem ao vocabulário arquitectónico o valor metafórico da cobertura ou tecto e usufruem da qualidade figurada de um elemento que serve ao mesmo tempo de protecção ou resguardo e de cenário.
Nesta probabilidade a intervenção de Susana Mendes Silva projecta no espaço da galeria a desordem repetida por insinuar que a grelha que nos serve de tecto pode intermitir entre ser um objecto ou um cenário/envolvência e tenta ainda catapultar essa experiência mediada pela estrutura escassamente visível para o limiar de um entendimento corporal provocador e incomodativo que contraria o processo de comodificação valorativa das habituais intervenções tácteis ou visuais.

Ao arriscar no título da peça uma aproximação ao nome do espaço, Square Disorder dentro de Appleton Square, a artista parece insinuar a inevitabilidade de um processo de refundação do poder efectivo do espaço e a sua influência nas potenciais leituras da intervenção. Desta atitude podemos inferir que esta grelha aligeira o peso do quadrado e destrói a sua soberania.


João Seguro