Desordem no espaço da galeria

Square Disorder (à letra, desordem no quadrado) é uma metáfora muito oportuna para falar dos condicionamentos sucessivos a que está sujeita a experiência humana da arte. Para Susana Mendes Silva tratou-se de criar um mecanismo que invertesse a passividade habitual do típico visitante de museu e galeria, mas também desafiar a habitual lógica de construção do espaço expositivo.

Mostrar o carácter problemático do espaço expositivo é o resultado mais imediato desta "instalação" de Susana Mendes Silva. Uma espécie de desafio à corrente ideologia do "cubo branco" como lugar perfeito, porque neutro e ausente, para a experiência da arte.

Na desordem que a artista criou finos fios, a lembrar cabelos, criam uma trama invisível e subtil por cima da nossa cabeça. Nesse tear imaginário criam-se quadrados dos quais descem, até tocar o corpo do visitante, outros fios. Estes são uma espécie de rastos que obrigam a elevar o olhar e, dada a sua quase imaterialidade e invisibilidade, a procurar com a mão uma identificação daquilo que sente, mas que quase não se vê. Ao movimento incessante do corpo corresponde a actividade da atenção em encontrar um sentido para o que acontece.

Poder-se-ia quase falar de um inteligente regresso a uma certa arte que pensa as condições de percepção do mundo e dos objectos que nele há, incluindo o corpo humano. Nesta "desordem quadrada" é sublinhado o aspecto perceptivo da relação entre o olhar e o tacto ou, melhor, a necessidade humana em ver (que facilmente pode ser traduzido em necessidade de atribuir uma imagem a toda a percepção) a matéria dos outros sentidos, como se o olhar fosse o lugar de síntese e encontro dos dados de todos os sentidos: é este o sentido da afirmação de Aristóteles que de todos os sentidos o homem prefere a visão.

A performatividade desta "obra" é evidente e a gestualidade que consegue criar - suave, cuidada, lenta - lembra aqueles que maravilhados brincam com o inefável, o imaterial, o espectral. O espanto é que, subitamente, se encontrem corpos a realizar acções que, habitualmente, não fariam: muda a intensidade, o tom, a forma e o que se encontra são gestos precisos - quer-se encontrar o fio que nos enlaça - e cuidadosos - não se quer destruir a obra.

Mas há um outro ponto de ancoragem desta exposição o qual pode ser visto como o assumir em sentido literal o dito: "a arte toca-nos". Nesta exposição só mesmo através desse contacto imediato é que nasce a possibilidade da experiência estética e o objecto material que constituí o corpo presente da obra de arte.


Nuno Crespo